Nihao! Como vocês estão? Sabe, depois do post cheio de feels, eu não esperava escrever sobre polêmica aqui.
Antes de continuar, quero deixar bem claro que todo mundo é aberto a dar suas opiniões sobre isso, só peço que seja de FORMA EDUCADA. Se eu ver que a caixa de comentários virou uma baixaria, eu irei apagar sem dó. Por mais que o assunto seja até meio sensível, pois o buraco é bem mais embaixo do que aparenta, não vamos abaixar o nível, ok? E não é porque tu és contra um governo ou partido que irá ser preconceituoso contra o povo. E lembrando ainda que estou usando a palavra censura aqui no sentido mais comum ao que ela é usada. Então senta aí, que o texto é grande.
Como vocês devem saber, teve o lançamento do Capcom Arcade Stadium e, junto dele algumas censuras por parte da Capcom no icônico cenário do Honda, onde a figura do sol nascente foi retirada.
Só que diferente do que ocorreu em Ultra Street Fighter II, onde o sol nascente com raios foi substituído por outro, na coletânea foi simplesmente apagado.
Primeiro vamos entender o contexto do problema envolvendo esse sol, que é ainda o símbolo da marinha japonesa.
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Imagem do filme "Cartas de Iwo Jima" |
Se alguém se lembra das aulas de história, sabe que o Japão participou da Segunda Guerra Mundial do lado do Eixo, que continha a Alemanha nazista de Hitler e a Itália fascista de Mussolini. Ainda antes disso, teve o expansionismo japonês naquela região, que com sua política imperialista dominou regiões da China, Coreia e outras áreas do Pacífico. Inclusive em 1933, durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa, as forças armadas do Japão cometeram várias barbaridades contra civis chineses, incluindo uso de armas biológicas e estupro em massa de mulheres. Fora a escravidão do povo coreano, incluindo mulheres e meninas para fins sexuais (as mulheres de conforto) no final da Segunda Guerra, que ficou conhecido como a Guerra do Pacífico.
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Li e Sakura, o casal composto por um chinês e uma japonesa que muitos adoram. |
Apesar de atualmente você encontrar diversos depoimentos de pessoas da China e da Coreia nutrindo carinho e amizade para pessoas do Japão, e até diversos mangás e animes que retratam personagens de nacionalidades distintas se relacionando romanticamente, como Sakura e Li Syaoran de Sakura Card Captors, o grande problema, que muitos gostam de deixar claro, está nas atitudes do governo japonês contra os seus crimes de guerra, que causaram feridas profundas nesses lugares, que irão demorar a se cicatrizar, ainda mais quando a política japonesa tenta se esquivar disso.
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Visita do Deus da Sorte a Enoshima por Yoshiiku Ochiai, 1869. |
Esse é o contexto do problema com o sol presente no cenário de Honda. O símbolo desse sol para muita gente na Ásia equivale mostrar uma suástica nazista (e não, isso não é ad Hitlerum, é sério mesmo) para judeus e demais povos que foram perseguidos pela Alemanha nazista. Claro, eu não acredito que o sol foi posto ali com o intuito de ofender, até porque esse símbolo é bem antigo, sendo do período Edo (1603–1868) e faz parte da cultura japonesa há séculos. Porém, ele pode ser bem controverso por conta de seu passado recente, assim como a suástica (que é outro símbolo antigo que foi apropriado pelo nazismo).
Tanto é que o anime Kimetsu no Yaiba sofreu recentemente uma pequena censura na China, onde os brincos de Tanjirou sofreram uma pequena modificação, eliminando os raios de sol, deixando apenas o disco solar.
Então, devido a todo esse contexto, somado ainda a maneira porca de como a Capcom fez a remoção do símbolo, muita gente ficou revoltada, ainda mais devido a outros elementos que foram mudados ou que permaneceram no jogo sem nenhum motivo aparente. Ainda mais aqueles que são contra qualquer tipo de censura.
Esse sol ficou presente em absolutamente todas as versões de Street Fighter II que foram lançadas antes de Ultra Street Fighter II, incluindo a HD Remix, onde, curiosamente, tivemos a remoção da figura de Ganesha no cenário do Dhalsim.
É algo que entra naquela questão de, mesmo sendo compreensível, fica parecendo que estão querendo apagar algo que, gostando ou não, faz parte da história do jogo e que não possui um contexto ofensivo da maneira que foi inserido ali. E nesse ponto é fácil compreender tanto o lado que até achou correto, quanto aqueles que, por serem contra qualquer tipo de censura seja ela qual for, achou que tal atitude foi errada. Fora que abre um leque de discussões sobre outros elementos presentes, não apenas em Street Fighter, como a grande inspiração para o personagem Brocken, da série World Heroes da ADK.
Mas, como vocês bem sabem como é a nossa querida internet, a polêmica não parou por aí, pois os jogadores começaram a notar outras coisas, vide por exemplo esta thread que deixarei aqui para quem quiser verificar (inclusive algumas imagens e pontos levantados vieram dela):
Uma coisa que não passou despercebida foi o final do Blanka, onde temos claramente algo que faz referência a esse mesmo sol presente no cenário de Honda, mas que não modificaram.
Ele continua abraçando a sua mãe, enquanto que os raios continuam reluzentes atrás deles. Lembrando que o final de Blanka no Ultra SF II é o mesmo da HD Remix, ou seja, apesar de em determinada parte se ter um efeito que faz referência ao visto no final clássico, suas cores e efeitos o distanciam do sol nascente.
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Os estágios clássicos e a versão da coletânea. Sim, a internet ficou de zoeira justamente neste momento do Spinning Bird Kick. |
Outras "pequenas censuras" como as caixas de Coca-Cola do cenário da Chun-Li que estavam presentes nas versões clássicas (o cenário da versão HD Remix foi levemente modificado nesta loja em questão), foram apagadas, assim como ocorre em Ultra SF II.
Mas, talvez outro ponto delicado que está fazendo muitos se questionarem é em relação a URSS e a Hong Kong.
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É, eu não queria, mas é preciso. |
Sim amiguinhos, agora vai ser inevitável eu comentar certas coisas aqui, que eu sei que alguns não irão gostar, seja por motivo de estar saturado, motivo ideológico, ou qualquer outro.
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O cenário de Zangief no jogo Super Street Fighter II Turbo HD Remix, as duas versões do Ultra Street Fighter II e a versão presente na coletânea. |
Como disse, é compreensível o fato de retirarem o sol do cenário do Honda devido ao contexto, se formos parar pra pensar devido a tudo o que aconteceu. Porém, seguindo a mesma lógica de sensibilidade, não era então para a Capcom ter removido a bandeira da URSS como ela fez no Ultra Street Fighter II, onde não apenas o país de Zangief já se encontra como Rússia, como também o símbolo do comunismo presente em seu cenário foi apagado, inclusive da versão HD do mesmo?
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Memorial do Holodomor em Kiev. |
Gostando ou não a antiga União Soviética, assim como outros regimes comunistas (eu sei a diferença entre comunismo e socialismo, estou apenas utilizando a denominação comunista aqui por ser a mais comum a se referir a esses regimes), mataram muita gente (apesar dos números variarem chegam a casa dos milhões) e ainda hoje existem pessoas que negam alguns fatos ocorridos (uma parte por motivos puramente ideológicos). Um deles é o do Holodomor, a grande fome que o regime de Stalin impôs ao povo ucraniano e que foi negado pelos soviéticos até meados da década de 80. Fora ainda o que a URSS fez até com russos, vide o depoimento que a saudosa Elke Maravilha deu no Programa Encontro, onde ela conta que seu pai foi para um Gulag como prisioneiro político e que, nas palavras dela: "Três Hitlers não davam a maldade de um Stalin".
Inclusive em alguns países do leste europeu, incluindo a própria Ucrânia, equiparam os símbolos do comunismo ao nazismo, os proibindo, devido a tudo que passaram (não, não é apenas por conta de uma extrema-direita, como já vi alguns afirmarem).
Se formos de fato buscar uma coerência, que a Capcom tivesse então mantido a censura feira no Ultra Street Fighter II, seja com a mudança do país ou o apagamento da foice e do martelo visto que sim, em alguns lugares tal símbolo não é bem visto.
E ainda temos o caso da bandeira da Espanha franquista que foi utilizada no jogo até a chegada de Super Street Fighter II. Anteriormente, eu tinha afirmado que iria verificar se ela foi ou não mantida. Como tive acesso ao jogo, a resposta é SIM!
Esse fato só faz ser jogado mais lenha na fogueira, afinal, a ditadura de Franco também foi responsável por mortes e perseguições, mesmo que os números não sejam tão elevados se comparados ao da antiga URSS.
Só para terminar essa questão, não é porque a URSS se saiu vencedora na Segunda Guerra, ou que a mesma não foi iniciada por ela (e devemos lembrar ainda do pacto de não agressão feito por Stalin e Hitler no início), que devemos fazer pouco caso desses questionamentos, afinal para uma quantidade considerável de pessoas, a lembrança do que foi viver sob um regime comunista, lhe remete a medo, terror e perda de entes queridos.
E falando em bandeiras, chegamos agora no último ponto sensível, envolvendo Hong Kong.
Hong Kong foi colônia do Império Britânico desde a derrota da China na Primeira Guerra do Ópio (1839-1842) sendo devolvido a China em 1997. Chegou ainda a passar pelo domínio japonês na Guerra do Pacífico, sendo devolvida aos britânicos depois. Devido ao domínio britânico, Hong Kong, possuía tanto uma economia voltada ao capitalismo (ok, sabemos que há algumas controvérsias quanto ao modelo chinês de economia, mas eu não irei falar disso aqui), quanto também uma liberdade maior de seus habitantes. Afinal, a China não é um país com regime democrático, o Partido Comunista Chinês controla tudo, suprime liberdades e ainda promove perseguições a minorias, como é o caso dos uigures, uma minoria muçulmana que está a séculos em uma determinada região que está sendo reprimida e mandada para campos de concentração. Sem falar que a mesma ainda reescreve a sua própria história com falácias, seja negando a natureza desses campos contra os uigures, ou afirmando que o Massacre da Praça da Paz Celestial nunca existiu, censurando de todas as formas possíveis os mecanismos de busca em seu país, sobre o fato. E só lembrando que negar ou distorcer fatos históricos não é apenas "coisa de comunista" não...
Devido a isso, quando houve a entrega de Hong Kong, um dos principais temores da população era se a China cumpriria o trato de deixar a região com uma administração autônoma, sem impor o seu regime a população. Tal trato, aparentemente estava sendo cumprido, mas como bem vimos nos protestos que assolaram Hong Kong em 2019 e também em 2020 apesar da pandemia, não era bem assim, sendo o grande pivô, o projeto de lei de extradição, que mudaria o sistema jurídico da ilha e faria com que o avião fosse extraditado para a China continental para ser julgado. E claro, devo lembrar que tais protestos foram severamente reprimidos pelo governo. Sem contar nessa denúncia de golpe contra a pluralidade política, com a destituição de quatro políticos pró-democracia pelo governo atual de Hong Kong.
Essa situação toda vez surgir ainda um sentimento separatista na ilha, pois devido a toda questão histórica, somada as atitudes do governo chinês, alguns cidadãos não se consideram chineses e sim simplesmente honcongueses.
Particularmente, eu me simpatizo com a causa deles, até porque sou contra ditaduras, sejam elas de qual ideologia forem, por mais que eu consiga apontar algum avanço em determinadas questões, como por exemplo o avanço tecnológico da antiga URSS. Então, caro leitor, nada de insinuar que bato palma para a ditadura militar brasileira, por conta das críticas a ditaduras que, ideologicamente, seriam de esquerda.
Então, tendo em mente esses fatos, vocês conseguirão entender a revolta de alguns jogadores com a Capcom, trocar a bandeira de Hong Kong na Super Turbo presente na coletânea pela bandeira da China, incluindo pessoas da comunidade de jogos de luta de Hong Kong.
Essa troca foi feita no Ultra Street Fighter II, mas passou desapercebido, aparentemente. Só que com uma diferença: o USF II é um jogo novo, uma nova versão de um jogo antigo, o que poderia servir de desculpa, se não fosse o fato de que a versão HD Remix usa a bandeira... Do período britânico!
Aliás, como está sendo lembrado por todo mundo que toca nesse assunto, a versão Hyper manteve a bandeira de Hong Kong em vez de colocar a da China, só trocando a do período britânico pela atual.
Isso está levando a uma série de questionamentos, inclusive que essas mudanças feitas não foram feitas por conta de "sensibilidade" e sim para o governo chinês não cometer algum tipo de censura contra o jogo. Até porque sejamos sinceros, essa troca de bandeira foi um ato insensível com o povo de Hong Kong, ainda mais depois de tudo. E sejamos francos, nesse momento nenhuma empresa de jogos seria doida de querer peitar o Partido Comunista Chinês, se não tiver cacife o bastante para isso.
A ironia nessa situação toda é que a Capcom evita certos tipos de polêmica. Não tivemos um Balrog/Vega cruzado para evitar atingir a religião cristã dos jogadores estrangeiros. Também não tivemos o que parecia ser o deus Ganesha como lutador (apesar de não se ter uma explicação é fácil imaginar o porquê, vide a polêmica que aconteceu com Dragon Ball Super na Índia). A música do cenário Temple Hideout foi modificada, pois a original parecia conter uma oração muçulmana. A personagem Kolin era visivelmente uma comunista que lutava pelo ideal, mas em nenhum momento há menções do nome comunismo e dos símbolos do mesmo. Para agora, ela ter conseguido uma polêmica que não estava em seus planos.
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Fazer o quê, né? |
Irei ficando por aqui. Eu espero que, caso tenha lido até o final, que tenha entendido toda as questões envolvidas e até os motivos seja de quem é a favor do que houve no cenário do Honda, como também de quem é contra. Até porque nem tudo é mimimi e nem coisa de boomer chato que reclama por tudo.
Caso queira comentar, fique a vontade, só se lembre do recado que dei no início.
Então, até a próxima, que com certeza (ou assim eu espero), será com um artigo mais leve que esse. See ya!!!